top of page

Calote deve voltar ao nível da recessão


Fonte: Valor Econômico


Mesmo com medidas, inadimplência deve chegar a 6%


Diante da perspectiva de perda de milhões de postos de trabalho e de uma recessão inevitável dentro da crise do coronavírus, economistas ouvidos pelo Valor são unânimes: a inadimplência vai aumentar mesmo que o crédito como um todo se retraia. A dúvida, na verdade, recai mesmo sobre qual a intensidade e o tamanho do contingente de pessoas que vão atrasar os pagamentos de financiamentos, empréstimos e contas.


O que vai acontecer daqui para a frente depende da eficácia do conjunto de ações tomadas pelas autoridades tanto do lado financeiro quanto na saúde. Alguns indícios da dimensão que o problema pode alcançar começam a aparecer, caso as medidas de mitigação do problema se mostrem insuficientes. Há apostas de que a inadimplência da pessoa física nas operações de crédito do sistema financeiro chegue ao patamar de 6%, a mesma da crise dos anos de 2015 e 2016.


De acordo com dados do sistema de análise de crédito e cobrança Meu Crediário, baseado em uma rede de mais de mil lojistas espalhados pelo país, houve um aumento de 30% na inadimplência do crediário em março, comparado ao mesmo período de 2019. A empresa ainda verificou uma queda de 68% no número de consultas de CPFs na segunda semana de março em relação ao período anterior, e de 60% na comparação com a segunda semana de fevereiro – com menos procura dos consumidores por novas operações, os credores estão consultando menos quem está negativado.


O crediário é um produto de financiamento oferecido pelas lojas diretamente aos clientes e, portanto, mais sensível ao fechamento dos pontos comerciais. “Uma média de 50% das vendas no crediário são para autônomos e com esse fechamento mais longo essa pessoa acaba priorizando o dinheiro para insumos básicos”, avalia Jeison Schneider, cofundador do Meu Crediário.


Nos bancos, já começa a ser percebida uma maior dificuldade de honrar o serviço da dívida entre as famílias. Conforme o executivo de cobranças do Bradesco, Marcelo Marcílio, o chamado índice de contato com pessoa certa aumentou nas últimas semanas devido, provavelmente, ao isolamento. “Na maioria das operações, conseguimos falar com o cliente. E, em tese, quanto mais contatos, mais acordos temos. Mas, agora, a situação está atípica. Falamos mais com as pessoas, mas muitas perderam a capacidade de pagamento”, afirmou o executivo em transmissão ao vivo na internet.


Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostram que o número de famílias com dívidas – cheques pré-datados, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro – bateu recorde de 66,6% em abril, o maior percentual desde que a pesquisa começou a ser feita há dez anos. Famílias com dívidas ou contas em atraso, no entanto, somaram 25,3% em abril, mesma fatia de março, mas a expectativa é de aumento.


“Uma das certezas é de que a inadimplência vai aumentar”, afirma economista e sócio na Troster & Associados, Roberto Luís Troster, também durante a transmissão ao vivo. “O Brasil acordou mais pobre em 27 de fevereiro”, acrescenta, em alusão ao dia seguinte ao da confirmação do primeiro caso da covid-19.


“Do lado das famílias, tem um grau de incerteza enorme, com aumento do desemprego, que vai impactar negativamente o crédito, e o drama das pessoas físicas é tentar honrar suas dívidas”, avalia a consultora econômica Zeina Latif. A especialista vê uma tendência de aumento da inadimplência nos próximos meses dentro de um cenário nebuloso. “Como pode ter período prolongado de confinamento, o nível de incerteza que se tem é muito grande, com uma visibilidade muito baixa. E tudo isso traz repercussões para a economia. Vai ter recessão, só não sabemos o tamanho.”


Boa parte do problema, no entanto, tende a ser combatido pelas ações recentes anunciadas pelo governo e instituições financeiras, entre as quais renegociação de dívidas, com aumento do prazo para pagamento, linhas emergenciais para o setor privado e bancos, financiamento para folha de pagamento com cobrança apenas dos juros da Selic e carência de 60 dias para pagamentos de empréstimos, além de repasse de recursos às famílias, como a concessão de um voucher de R$ 600 aos trabalhadores informais. Essas e outras medidas vão ajudar a amortecer o impacto da retração econômica e do aumento de desemprego sobre a inadimplência.


“Estamos num momento delicado, sem dúvida, mas estamos tendo ações na direção de criar solvências e pontes financeiras, mas ainda não dá para dimensionar o tamanho do problema e verificar se serão suficientes”, afirma o consultor econômico da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas.

Para a economista da Tendências Consultoria, Isabela Tavares, mesmo com essas medidas adotadas, a taxa de inadimplência, divulgada pelo Banco Central, deve subir ao patamar de 6%, mais próximo do que aconteceu no pico recente, durante a recessão de 2015 e 2016, quando a taxa alcançou 6,2% para pessoa físicas no crédito com recursos livres.


De acordo com o economista da Boa Vista SPCP, Flávio Calife, a tendência é de um aumento mais concentrado dos atrasos nos pagamentos até fim da primeira metade do ano. “Podemos ter um crescimento mais rápido nos próximos três a quatro meses, mas depois devemos estabilizar e voltar um pouco”, diz. “Dá para chegar aos 6,2%, o último pico da inadimplência? Existe essa possibilidade, se as medidas não surtirem o efeito esperado, se essa ajuda demorar muito para chegar a quem precisa e se tivermos um isolamento maior e mais longo”, afirma Calife.


Segundo o economista da Boa Vista SPCP, o atraso nos pagamentos, de qualquer modo, tenderia a crescer, porque existem diversos efeitos do isolamento que não vão ser resolvidos com as medidas já anunciadas. Trabalhadores que dependem de remuneração variável, por exemplo, vão perder renda. “Garçons, vendedores e muitos profissionais para quem grande parte da renda vem de resultados do dia a dia não terão direito de receber o auxílio concedido aos informais. O [ganho] variável está praticamente perdido apesar de ser um funcionário formal.”


Zeina Latif reforça ainda que mesmo o voucher para os informais será uma medida paliativa. “Os R$ 600, para esses grupos mais vulneráveis, seriam para subsistência das pessoas. Não vai sobrar para pagar crediário, dívida bancária, ou até para a conta de consumo. Provavelmente tenhamos aumento da inadimplência em contas de consumo. Vai ser um quadro de 2015 e 2016, que ninguém pagava ninguém.” Segundo a Boa Vista, atrasos nos pagamentos de contas de luz, água, gás e outras representam 15% da inadimplência calculada pelo birô de crédito.


Tingas, da Acrefi, explica que o impacto vai ser sentido de maneira diferente entre os trabalhadores de diversos setores, distintos perfis de renda e até mesmo para qual tipo de dívida a pessoa tem. “Quem está pendurado num produto mais caro e no curtíssimo prazo, como cheque especial e cartão de crédito, por exemplo, se não tiver reserva ou liquidez para sair do produto tende a atrasar. O problema é de caráter inclusive social porque muitos dos usuários desses produtos dependem de renda mensal para rolar a dívida. Nesse sentido, as classes C, D e E vão ter mais dificuldade de manter os pagamentos”, disse.

9 visualizações0 comentário
bottom of page